Resenha Crítica Performatividade: Subvertendo Corpos e Identidades em Cena
Por: Carolinne Moraes • 28/2/2021 • Trabalho acadêmico • 1.143 Palavras (5 Páginas) • 176 Visualizações
Resenha Crítica – Subvertendo Corpos e Identidades em Cena
Carolinne Ferreira da Silva de Moraes
DRE: 116038533
No artigo “Performatividade: subvertendo corpos e identidades em cena”, a autora Fernanda Raquel faz uma reflexão sobre a materialidade dos corpos e espaços em produções teatrais, a partir do conceito de performatividade e demais ideias da filósofa americana Judith Butler. Embora a abordagem de Butler não se relacione diretamente com os estudos teatrais, a autora deixa claro que sua análise não se limita a esse campo de estudos e os exemplos artísticos aos quais irá recorrer em seu artigo são uma amostra de como tal condição pode ocorrer em todos os âmbitos.
Para introduzir o conceito de performatividade, Raquel parte do princípio de que o corpo é “a própria materialidade” e que não há como pensar em sujeitos fora da materialidade de seus corpos. Esses sujeitos se constituem através da performance de atos, performance essa que não é única, singular, mas repetida e reiterada. Esse processo de repetição performativa também abre espaço para quebras e ressignificações, uma vez que nem todas as ações se repetem igualmente e pode haver falhas. Para Butler essa forma de pensar a performatividade impacta o conceito de identidade: ela é, portanto, um efeito, não é algo essencial ou fundacional dos sujeitos, mas sim performada continuamente. Com essa perspectiva, Butler busca situar também o político nas práticas que dão origem à identidade.
A partir dessa mudança de concepção da identidade é que Fernanda Raquel propõe repensar a relação entre corporalidade e identidade. Se para Butler os corpos se constituem nesse processo performativo, eles são também normalizados pelas relações institucionais e sociais. Os corpos reproduzem as convenções sociais como práticas, tendo vista a adequação ao que é esperado em nosso contexto sociocultural. Nesse sentido, os corpos que não se adequam aos padrões impostos pela sociedade patriarcal e capitalista, são invisíveis e vistos como descartáveis.
As produções mais recentes de Butler, nas quais ela se volta aos recentes movimentos de rua para pensar nos traços performativos que tem se construído nesses espaços, propõem que esses corpos performativos das ruas criam um espaço de visibilidade. Embora a preocupação central de Judith Butler seja com as práticas de vida cotidiana, ela também aponta que o performativo sugere uma construção dramática – “uma performance ritualizada que se repete para reencenar significados socialmente estabelecidos, produzindo o que ‘pode’ ter existência, mas também o espectro de todas as impossibilidades”.
A partir dessas considerações sobre os corpos, os espaços, e suas possibilidades de performatividade, Raquel aproxima então a discussão do teatro, baseando-se em três exemplos de produções contemporâneas que se distanciam do formato clássico de encenação e propõem uma confrontação com a realidade. Essa tendência de confronto extrapola o campo das artes cênicas, como observado pelo autor José Antonio Sanchéz, citado por Raquel, e pode se manifestar através da inserção de relatos reais ou virtuais nas encenações, uso de materiais e documentos reais na dramaturgia, ou intervenções em espaços reais. Tais estratégias podem ser encontradas nos exemplos citados pela autora.
O primeiro exemplo é de uma produção da companhia TheatreWorks de Cingapura chamada “The Continuum - Beyond The Killing Fields”. A peça mistura dança, música, teatro de sombras, vídeos e depoimentos para denunciar os horrores do regime ditatorial de Pol Pot no Cambodja entre 1975 e 1979. A peça é uma espécie de documentário-performance, em que material histórico se justapõe às pessoas em cena, que relatam suas histórias pessoais durante o regime enquanto dançam ou atuam com as sombras. Para Raquel, “diante da plateia, há a recuperação da história de cada participante através da palavra corporificada”. A mera presença daqueles sujeitos/corpos em cena, para além do que relatam, já pode ser vista como um “discurso vivo de resistência”, dando visibilidade àqueles que antes eram invisíveis, descartáveis, tal como nas ideias de Judith Butler. Suas performances extrapolam o âmbito do discurso oral, e para compreender seus testemunhos, é preciso se ater a todos os gestos e imagens produzidos por seus corpos em cena.
Outro trabalho analisado por Raquel é “Bom Retiro 958 metros”, do grupo brasileiro Teatro da Vertigem. Tendo estreado em 2012 em São Paulo, a produção ocupa ruas e espaços do bairro Bom Retiro após o horário comercial, e leva os espectadores num percurso pelo bairro. Segundo a autora, “o real da cidade configura-se como um dos protagonistas do espetáculo, cujos traços performativos vão desenhando uma construção coreográfica a céu aberto.” Não sabemos bem onde começa e termina a ação teatral, pois todas as ações, o cenário, a sonoplastia se confundem e se atravessam com a realidade do espaço. São esses atravessamentos que fazem uma “forma de pluralidade performativa” e criam, mesmo que efemeramente, uma nova relação com o espaço urbano e com todos os corpos que fazem parte dele, mas são também invisíveis no cotidiano.
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