O CONTEXTO DA PRÁTICA DE ENSINO
Por: Jardel Lima • 29/4/2019 • Pesquisas Acadêmicas • 1.540 Palavras (7 Páginas) • 177 Visualizações
O CONTEXTO DA PRÁTICA DE ENSINO
De acordo com os currículos ainda em vigor, a formação dos professores ocorre, majoritariamente, de forma segmentada, onde as disciplinas de formação específica (por exemplo, química, física, biologia) ocorrem totalmente desvinculadas das disciplinas de caráter pedagógico (psicologias, estrutura e funcionamento do ensino, didáticas, etc.), de responsabilidade das Faculdades de Educação, com conteúdos e metodologias distanciados da realidades dos sistemas de ensino básico. Há, desta forma, pouca ou nenhuma discussão conjunta sobre integração de disciplinas (por exemplo, o desenvolvimento de didáticas específicas), sobre aspectos metodológicos e, menos ainda, sobre o chamado "perfil do egresso", hipótese prévia que deveria orientar os processos de formação inicial
De acordo com estes currículos, o estágio supervisionado ocorre geralmente no último semestre destes cursos e é de responsabilidade
da Faculdade de Educação, devendo preparar os alunos para o exercício das diferentes "habilidades" profissionais consideradas necessárias para a prática docente. É, na maioria das vezes, a primeira e únicaoportunidade dos alunos vivenciarem, na realidade, o "ser professor", Por isto, este reduzido período de tempo, aodificultar reflexões e questionamentos mais complexos sobre a prática docente, freqüentemente determina nos alunos, impressões e certezas superficiais e equivocadas sobre a prática docente, e que reforçam suas concepções prévias, de senso comum e majoritariamente relacionadascom o modelo tradicional de ensino (Mellado, 1996; Porlán e Rivero, 1998; Krüger, 2000; Tardif, 2002)
Assim, Mellado (1996) e Campanario (1998) analisaram as concepções de futuros professores de Ciências, sobre a natureza da ciência e dassuas concepções a respeito do ensino e da aprendizagem. Com relação à natureza daciência, as concepções identificadas vão desde um positivismo com ênfase no empirismo, passam por um falsacionismo ingênuo ao estilo poperiano até uma forma de indutivismoingênuo, além de serem muito freqüentes pontos de vista ecléticos, sincréticos e difusos, isto é, idéias que não puderam ser relacionadas
IV ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS 3 de 12 com um ponto de vista apenas, o que Mellado (1996) relaciona com a ausência de disciplinas de história e filosofia da ciência em seus currículos. Já as concepções destes professores sobre ensino e aprendizagem estão relacionadas com um ensino transmissivo, baseado na transferência de conhecimentos, às vezes,contextualizados e com uma aprendizagem receptiva ou assimilativa, embora estes autores tenham detectado idéias inconsistentes e contraditórias, principalmente se comparadas com as estratégias que utilizavam em sala de aula. Desta forma, os saberes iniciais dos licenciandos sobre a ação docente são, de acordo com resultados de investigações, muito mais umconjunto de crenças e pré-concepções, nem sempre explícitas e organizadas, do que uma contextualização do conhecimento acadêmico (pedagógico e conceitual) com o qual tiveram contato durante o período de formação. É, sem dúvida, uma das razões da permanência e resistência do paradigma escolar tradicional vigente e da aceitação da prática docente como um trabalho dependente e subordinado à agentes externos à sala de aula (Roldão, 2001). Assim, "os alunos passam pelos cursos de formação inicial sem modificar suas crenças anteriores sobre ensino" (Tardif, 2002, p. 261) reproduzindo, nas escolas, às vezes com mais empenho do que os professores mais experientes, as rotinas e práticas de sempre. Então, os professores não mudam por que a universidade não muda. Por sua vez, a escola de ensino básico não muda porque os professores não mudam. É um círculo vicioso. O que fazer?
OS SABERES PRÁTICOS DOS PROFESSORES
Conforme já foi dito, o objetivo principal nesta disciplina foi o de favorecer que estes licenciandos superassem suas concepções didático-metodológicas prévias situadas no contexto do paradigma tradicional, já caracterizado e iniciar um processo de questionamento do modelo de professor que possuíam e das suas concepções sobre ensino e de aprendizagem que, no início do semestre, eram "muito ortodoxas". Destaco aqui, mais uma vez, que estes alunos estavam no semestre final de seus cursos. Estes alunos viam o professor comodono da verdade e os alunos "deveriam obedecer". Este desenvolvia os conteúdos programáticos de maneira transmissiva, "chegar em sala de aula, explanar os conteúdos e ir embora", sendo assim um "mero repassador de conhecimentos" distantes da realidade e sobrecarregados de nomes científicos, como disseram duas alunas:
"Quando começou o estágio, eu não pensava em como ia dar as minhas aulas, e acho que isto se devia ao fato de que, mesmo sem me dar conta, já pensava em dar as aulas da mesma forma que meus professores um dia me deram, ou seja, aula expositiva "Quando começou o semestre, eu me julgava apta a entrar em sala de aula sem sequer me preparar"
Estas afirmações reforçam a necessidade de repensar, seriamente, a natureza dos currículos dos cursos de licenciatura. O que pretendi nesta disciplina foi, justamente, transformar o estágio num processo de aprendizagem, onde a reflexão e a crítica pudessem ser conjugadas com a organização de mecanismos de rompimento com a reprodução continuada do paradigma tradicional nas escolas (Roldão, 2001), continuidade muito incentivada pelo sistema de ensino e, portanto, um obstáculo a mais a ser superado, tanto por estagiários que já
encontram as receitas prontas na escola e as verdades estabelecidas como também por professores, principalmente em início de carreira, que pensam uma escola diferente da atual.
A avaliação desta proposta foi, por isto, orientada para a identificação e caracterização dos saberes que eles construíram neste período, fundamentada na concepção de que é no período do estágio supervisionado que os saberes profissionais dos professores, ou o seu conhecimento profissional, começam efetivamente a ser construídos. Utilizo, na análise dos dados, a caracterização do saber prático dos professores proposta por Tardif (2002), para entender que tipo de aprendizagem foi favorecida neste período.
Para este autor, os saberes profissionais são conhecimentos construídos na ação e são conhecimentos de trabalho e no trabalho. Desta forma, são "um conjunto de saberes utilizados realmente pelos professores em seu espaço de trabalho cotidiano para desempenhar todas as suas tarefas" (op. cit.,p.255) e englobam tanto conhecimentos conceituais como também competências, habilidades (ou aptidões) e atitudes (o saber, o saber-fazer e o saber-ser).
Para Tardif, quatro são as suas características: temporalidade; pluralidade e heterogeneidade; personalização e contextualização e, finalmente, seu caráter humano, ou seja, o fato de carregarem as marcas do ser humano pois são utilizadas por seres humanos para seres humanos.
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