OS RECURSOS NO PROCESSO CIVIL
Por: Sâmella Gonçalves • 17/12/2022 • Ensaio • 4.224 Palavras (17 Páginas) • 86 Visualizações
FACULDADE DE DIREITO
PAD: RECURSOS NO PROCESSO CIVIL
Profº Bruno Burini
Sâmella Ferreira Gonçalves
ENSAIO
BRASÍLIA, 2020
- INTRODUÇÃO
O presente ensaio tem por objetivo demonstrar a forte correlação entre o princípio do dispositivo, o princípio da voluntariedade, o princípio da vedação ao reformatio in pejus, os efeitos devolutivo, translativo e obstativo e a teoria dos capítulos de sentença.
Nesse diapasão, será dado maior enfoque ao efeito translativo e a possibilidade ou não de sua incidência, examinando por base os princípios basilares que regem o direito recursal, dando a devida atenção à importância da atividade judicial na apreciação das questões de ordem pública e sua apreciação em grau de recurso, tema recorrente na doutrina e jurisprudência brasileira.
- PRINCÍPIOS RECURSAIS E O EFEITO TRANSLATIVO
Inicialmente, antes de adentrarmos propriamente a discussão sobre o efeito translativo, se faz necessário discorrer sobre os princípios que orientam tal efeito, tendo em vista que esses auxiliam, orientam e fixam conceitos fundamentais sobre o direito processual e a sistemática dos recursos cíveis que se farão úteis para o entendimento do tema deste ensaio.
Recurso é um meio voluntário de impugnação de decisões judiciais, interno ao processo, que visa à reforma, à anulação ou ao aprimoramento da decisão atacada. É a forma de manifestação voluntária do descontentamento de uma ou de ambas as partes de uma determinada relação processual sobre decisões judiciais proferidas. Os recursos são contemplados expressamente no art. 496 do NCPC.[1]
O primeiro princípio que trataremos aqui é o princípio dispositivo. Este informa a condução do processo pelo juiz, bem como a própria atuação das partes, uma vez que a iniciativa da parte interessada (nemo iudex sine actore), via de regra, é o que dá origem à atividade jurisdicional, estando relacionada diretamente ao princípio da inércia e ao princípio da demanda, conforme dispõe o art. 2º do NCPC “O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei”[2]. Além de estar submetido ao dever de tratamento isonômico, ao qual o juiz deve ouvir a parte contrária, quando uma das partes se manifestar nos autos ou fizer a juntada de documentos. Pois, o juiz não pode agir de ofício para corrigir omissão de apenas uma das partes. Isso busca prevenir o abuso de direito por qualquer das partes, estando em consonância com o art. 139, I, do NCPC.[3]
De toda sorte, com a revogação do art. 194 do CC, pela Lei nº 11.280/2006, que trazia a seguinte redação “O juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer a absolutamente incapaz”, passou-se a afirmar o entendimento de que o juiz pode conhecer da prescrição, ex officio, sem que haja qualquer violação do princípio dispositivo. Isso pode ocorrer antes mesmo do réu tomar ciência da lide, em sede de improcedência liminar do pedido (art. 332, § 1º c/c art. 487, inciso II).[4]
O legislador atribui às partes as principais tarefas relacionadas a condução e a instrução do processo, observando e respeitando o referido princípio. Assim, quanto à marcha do processo, o impulso processual pode se dar pelas partes ou pelo juiz. É por meio da aplicação do princípio dispositivo que cabe às partes estimular a atuação jurisdicional. No âmbito do NCPC, esse princípio pode ser caracterizado no inciso III do art. 1.010 (apelação), inciso III do art. 1.016 (agravo de instrumento) e inciso III do art. 1.029 (recurso extraordinário e recurso especial).[5] Assim, cabe a parte recorrente formular pedido de reforma da decisão recorrida de forma expressa, sob pena de não conhecimento do recurso.
Segundo Renzo Provinciali, todo recurso possui dois elementos característicos e distintos: (i) elemento volitivo, que seria uma declaração expressa do recorrente de insatisfação com a decisão proferida, representado pelo princípio da voluntariedade, o qual permite demonstrar, mais uma vez, a manifestação do princípio dispositivo na esfera recursal; e (ii) elemento de razão ou descritivo, através do qual o recorrente deve, obrigatoriamente, demonstrar as razões pelas quais não se encontra satisfeito com aquela decisão proferida.[6] A observação de tais requisitos de admissibilidade da regularidade formal nos permite supor que a ausência de um desses elementos faz com que o recurso não seja admitido.[7]
Nesse sentido, tendo em vista a inércia da jurisdição e o princípio da voluntariedade, a remessa necessária (art. 496, caput, NCPC), por exemplo, não pode ser considerada recurso, tratando-se de instituto marcado pela oficiosidade, que prescinde por completo da vontade da parte, já que a subida do processo, na espécie, não é provocada por impugnação alguma à sentença, apenas submetem-se a um juizo integrativo de ratificação ou de alteração pelo tribunal.[8]
Outro princípio relevante para a análise do caso em tela é o princípio que veda a reformatio in pejus, o qual afirma que não poderá haver reforma da decisão para pior, ou seja, havendo apenas recursos da defesa, o juiz ad quem não poderá agravar a situação do réu. Em nosso ordenamento jurídico não existe nenhum conceito ou regra que o defina, sendo esta proibição originada da aplicação sistemática dos requisitos de admissibilidade concomitantemente com o efeito devolutivo do recurso.[9]
Nosso sistema processual repele tal prática, visto que “quando uma só parte recorre, entende-se que tudo que a beneficia no decisório e, consequentemente, prejudica a parte não recorrente, tenha transitado em julgado”[10]. Assim, o tribunal ad quem apenas poderá alterar a decisão impugnada dentro do que lhe pede o recurso, não se admitindo que o julgamento recursal venha a piorar a situação do recorrente, exceto às questões de ordem pública.
Portanto, no direito brasileiro, mesmo inexistindo norma expressa a respeito da proibição da reformatio in pejus, o princípio é considerado como inerente ao sistema, por meio da conjugação do princípio dispositivo, da necessidade de sucumbência para poder recorrer e do efeito devolutivo do recurso.[11]
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