Processo penal I
Por: Douglas Soares • 6/3/2016 • Trabalho acadêmico • 1.970 Palavras (8 Páginas) • 279 Visualizações
A droga de um sorriso qualquer!
Daí você está em um ônibus lotado. Pra variar em pé, suando e com os pulmões ainda pedindo socorro pela corrida inevitável dos 5 minutinhos atrasados, que você jurava que não faria diferença. Aqui a lei da física é contrariada e dois corpos podem sim ocupar o mesmo lugar, melhor, três corpos, não vou contar a criancinha berrando (não sei se por pirraça ou fome), mas esse gordo da camisa preta escrita algo em inglês aqui do meu lado vale por dois. Outra coisa inevitável é o sono, acordar as 6 da manhã não é legal, trabalhar não é legal, estar atrasado também não. Legal é o dia do meu pagamento, mas ainda tá longe e se eu for fazer os cálculos os números negativos virão sem dúvidas, droga de matemática inútil, droga de salário baixo! Daí você desanima, o cansaço aumenta.. Mas não tem aquela música, qual o nome da banda mesmo? Droga de memória! “Mas é exatamente quando a gente está cansado, o coração distraí então a sorte vem, A SORTE VEM..” Cadê essa merda de sorte? (O ônibus dá um sacode e minha cabeça bate em um desses ferros malditos, droga de quebra-molas!)
Cansaço, sono, atrasado e agora raiva. Aonde está a merda da sorte? Bem na sua frente seu idiota! De olhos claros, sorrindo (provavelmente de você), caramba que sorriso! Se ela quisesse me roubar não precisaria de arma, estou hipnotizado por esse sorriso. (Outro sacode, cabeça no ferro novamente, dessa vez tenho certeza de que vai criar um galo, mas quem se importa com isso?)
- Vai precisar pôr gelo.
(Alguém está falando comigo, só consigo enchergar o sorriso dela)
- Hãn?
- Está crescendo um galo na sua cabeça, tem que colocar gelo.
- Ah sim, droga de quebra-molas!
(Ela está rindo de mim)
O que fazer em um momento como esse? Perguntar seu nome? Não. Pedir telefone? Cedo demais. Indo pra onde? Melhor não! Droga de indecisão! Daí seu ponto é o próximo, o que fazer?? Agora cada metro andado o desespero dobra. Engraçado que nos outros dias de atraso ele não anda tão rápido assim, droga de motorista!
- Você tem um sorriso perfeito!
(Não acredito que falei isso)
- Gentileza sua, obrigada.
- Qual o seu nome?
(Tem como você imaginar a vergonha agora? Lógico que ela vai dizer que não é da minha conta)
- Sofia e o seu?
(Caramba, que sorriso)
- Lorenzo!
- Belo nome!
- Gentileza sua, obrigado! (Dou um sorriso, ela retribui)
- Atrasado?
- Pra variar!
(Mais sorrisos, droga eu tô apaixonado por isso)
(Ponto chegando..)
- Indo pro trabalho?
(Que pergunta idiota, não acredito que fiz ..preciso pedir pro motorista parar. Porque ele esta rápido? Droga de motorista!)
- Pois é, desço no próximo.
(Não acredito!)
- Nossa, eu também!
- Nosso ponto!
- Hãn?
- O ponto, não vai descer?
(Droga de motorista)
Tivemos que descer um pouco mais a frente, o que foi bom por ir caminhando ao lado dela até o ponto e ruim porque agora estou 15 minutos atrasados. (Droga de tempo)
Não sei se acredito nessa coisa de anjos, mas por algum momento ali naqueles poucos metros andando ao seu lado eu passei a acreditar. Juro que nunca vi pessoa mais linda nesse Universo. Juro que o sorriso dela seria capaz de iluminar a Terra se um dia o Sol resolvesse descansar. Juro que se eu pudesse voltar no tempo, eu a teria puxado e dito que me apaixonaria a primeira vista por ela todos os dias, porque realmente teria me apaixonado assim! Mas não, o idiota aqui deixou-a ir e caramba ela pegou o pior dos caminhos possíveis, um daqueles que você procura a placa dizendo aonde está o retorno, mas isso é em vão, não há retorno. Droga de caminho covarde!
Antes de falar desse caminho, gostaria de dizer sobre como minha vida mudou depois que esse anjo apareceu naquele ônibus, porque se em nossa existência aqui tudo tem um propósito o dela era simples: TRANSFORMAR A MINHA VIDA! E droga, como transformou!
Sou um jovem de apenas 26 anos de idade, não sou do tipo que faria uma mulher virar até que seus olhos encontrassem os meus, mas os de Sofia fizeram esses glóbulos verdes em meu rosto brilhar. Se dormir não for considerado um esporte, então não sou do tipo esportista. Se o fato de saber fazer miojo não te dá o titulo de cozinheiro, eu não sou cozinheiro e confesso que acho isso injusto. Romantismo não é o meu forte, nunca foi. Essa coisa de cavalheirismo, buquê de flores, jantar com velas, cineminha.. era tudo coisa dos meus antepassados distantes e não minha realidade, daí apareceu o sorriso de Sofia e que droga de sorriso perfeito! Trabalho em um escritório de uma multinacional, do qual brigo insistentemente 3 anos e meio por uma promoção de cargo, porque convenhamos essa droga de salário não dá pra nada, mês passado quase cortaram minha luz e o gasto com remédios estão crescendo cada vez mais. Sou um bom funcionário, tirando os minutinhos de atraso inevitável claro, mas cumpro com êxito minhas tarefas, por isso ninguém me tira da cabeça que ainda não me deram a promoção por conta do preconceito com minha doença. Droga, não era pra ter entrado nesse assunto! É que a pouco tempo eles descobriram que sofro de uma coisa rara chamada doença de Huntington, é uma doença hereditária onde provoca a degeneração progressiva de células nervosas do cérebro, os sinais e sintomas característicos da doença de Huntington surgem em decorrência da perda progressiva de células nervosas que ficam em uma parte específica do cérebro, os gânglios de base. Essa perda afeta a capacidade cognitiva (associada à memória e ao pensamento, por exemplo), os movimentos e o equilíbrio emocional. Os sintomas aparecem gradualmente, mas os que surgem primeiro variam muito de pessoa para pessoa, assim como aquele que mais influenciará e comprometerá a qualidade de vida.
Nem vem com essa de: ‘Ah coitadinho dele’, ‘Nossa que triste’.. Nada disso! Isso tudo aí só significa que com o passar dos anos minha memória conhece alguém melhor que eu e dá o fora de mim. Droga de memória! Mas eu só quero ver se essa merda de Huntington será capaz algum dia de apagar aquele sorriso de mim, nunca! Jamais! E é aí que Sofia entra nessa história toda, aí que a droga de um sorriso que tinha tudo pra ser um sorriso qualquer transforma a minha vida para sempre!
É uma terça-feira fria, ao olhar pro lado percebo que Sofia cruza os braços meio que se dando um abraço, tentando inutilmente vencer a luta contra o vento gelado. Sinceramente não me recordo muito bem do que aconteceu nos segundos posteriores, só sei que agora o meu casaco está em volta dela e um sorriso bobo insiste em se instalar em meu rosto. Sorriso esse que por anos fora afastado de mim, mas isso é uma coisa que não se esquece e ele ainda estava lá, bem no fundo, um pouco mais abaixo da caixa de decepções, eu ainda sabia sorrir. São sete e dezoito da manhã e o fato de eu estar atrasado não me preocupa tanto mais. Pelos meus cálculos virando a próxima esquina a esquerda, do lado da Biblioteca Municipal, está o velho prédio cinzento onde passo oito cansativas horas do meu dia. Estou perto de ter que me despedir de Sofia, gostaria de estar errado nisso.
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