AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS: ESTRUTURA E CUMPRIMENTO
Por: renatosiqueira • 19/11/2015 • Artigo • 5.978 Palavras (24 Páginas) • 527 Visualizações
FACULDADE SALESIANA DOM BOSCO DE PORTO ALEGRE
AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS: ESTRUTURA E CUMPRIMENTO
Alexsandro Martins, Ana Cecília Froehlich, Eduardo Vargas, Júlia Dill, Pâmela Flores, Renato Siqueira[1]
Resumo: O presente trabalho busca apresentar a problemática do cumprimento das medidas socioeducativas para jovens infratores no Brasil, enfocando os problemas de manutenção e garantia de ressocialização para aqueles mantidos pelo Estado na condição de internados, assim como demonstrar a sistemática da medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade e seus resultados positivos para uma boa parcela de jovens infratores no país.
Palavras-chave: ECA; Ato Infracional; Medida Socioeducativa; Crítica à Internação; Prestação de Serviços à Comunidade.
Sumário: Considerações preliminares; Ato infracional; Medidas Socioeducativas – Advertência, Obrigação de Reparar o Dano, Prestação de Serviços à Comunidade, Liberdade Assistida, Inserção em Regime de Semiliberdade, Internação em Estabelecimento Educacional, Qualquer uma das Previstas no Art. 101, I a VI, Remissão; Considerações finais; Bibliografia.
I – Considerações preliminares
A criança, assim como o adolescente, nunca foi verdadeiramente reconhecida pelo mundo jurídico e enxergada pela sociedade como sujeito de direitos e garantias; o sistema a “coisificou”, transformando-a em objeto das relações de poder, seja ela estatal ou familiar.
A concepção infante, em um contexto de vulnerabilidade e necessidade de proteção especial, é muito recente, sendo compreendida, até então, apenas como realidade de um ser trabalhador de propriedade da sua família. Não havia naturais perspectivas de futuro, apenas a certeza do cumprimento das ordens patriarcais e a continuidade nesta realidade por imposição da sociedade por tempo indeterminado. Não existia amparo legal e olhar crítico sobre sua importância e função social junto ao meio de convívio.
O Brasil sofreu grandes transformações nos âmbitos econômico, social e político ao longo de sua história e a concepção de criança e menor foi de igual modo se transformando ao longo do tempo, mediante o momento histórico vigente.
As primeiras menções à expressão “menor” (atualmente superada, uma vez compreendida a conotação pejorativa) articulam-se às leis criminais do Brasil Império, e definem as penas a serem aplicadas no caso de cometimento de crimes “por menores de idade”. Assimilada a partir do universo jurídico, a expressão foi absorvida no discurso social ao final do século XIX para designar as crianças nascidas das camadas mais baixas da pirâmide social. Essa expressão assume conotação de controle político, pois ao segmentar certos setores sociais, criaram categorias de crianças consideradas “suspeitas” e potencialmente “perigosas”. Havia distinção à época entre crianças (filhas de burgueses) e menores em situação irregular (pobres).
À época, conforme o disposto, os pobres eram taxados de suspeitos ou potencialmente perigosos e indignos de qualquer tipo de proteção. Eram remanejados a medida do desconforto que provocavam na elite. Tornou-se óbvio, como conseqüência, o aumento da criminalidade, uma vez o findar do movimento escravista e a mínima oferta de trabalho. O menor pobre era uma vítima da desigualdade social promovida pela elite brasileira, onde sua atitude antijurídica de “vagabundagem” era conseqüência do que lhe era ofertado pelo meio que convivia.
Com a chegada da família Real ao Brasil uma nova visão sobre a realidade social brasileira foi empreendida no século XIX: o trabalho passou a ser visto como digno e as crianças como futuros trabalhadores da sociedade, onde as mesmas deveriam ser domesticadas e relativamente defendidas, porém sem afastar a realidade de objeto parental.
De acordo com o Desembargador Eduardo Cortez de Freitas Gouvêa, ao analisar na história as Constituições Brasileiras verifica-se que as de 1824 e de 1891, respectivamente a do Império e a primeira da República, foram omissas com relação ao menor. [2]
Nos termos do Código Criminal do Império (1830) seriam isentos de imputabilidade penal os menores de 14 anos, mas aqueles que apresentassem discernimento do ato cometido seriam recolhidos nas “Casas de Correção” até que completassem 17 anos de idade. Já o primeiro Código Penal da República (1890) estipulou que não seriam considerados possíveis criminosos os menores de 9 anos, como também os maiores de 9 anos e menores de 14 anos sem discernimento, uma vez que os com discernimento seriam recolhidos a estabelecimentos disciplinares pelo tempo que o Juiz julgasse conveniente, desde que não superassem os 17 anos de idade. Em 1921 o menor de 14 anos passou a ser considerado inimputável em termos penais.
A primeira compilação menorista no Brasil e na América Latina foi o Código de Menores (1927) que veria a provocar grandes transformações no conceito de “menor” no país. Este jovem passou a ser internado em reformatórios, por um período de 3 a 7 anos, caso se tratasse de adolescente abandonado pervertido, ou com tendências a se tornar um, ou teve sua liberdade vigiada devendo ser acompanhado pelos pais, tutor ou curador, entre outras medidas à época.
A institucionalização de crianças e adolescentes e a intervenção estatal nas famílias passaram a ter conotação de privação de liberdade e segregação de valor, ressaltando a violência causada por um sistema opressor e uma família engessada. O objetivo velado da intervenção familiar, que se justificava em nome da proteção, passou a ser a preservação social em relação aos “futuros delinqüentes”, “irregulares” e “desajustados”. O alvo da intervenção passou a ser crianças e adolescentes pobres, que viviam, ou circulavam, nas ruas; que cometiam, ou não delitos; abandonados; órfãos; ou portadores de doenças e deficiências (COSTA, 2012). [3]
Surgindo de uma necessidade de legislação específica acerca da infância e da juventude, o Código de Menores, foi marcado por arbitrariedades e violência que mais tarde, após o Golpe Militar de 64, não seriam mais internadas em reformatórios, mas em Fundações Estaduais de Bem-Estar do Menor (FEBEMs). No ano de 1979 temos um novo Código de Menores fundamentado na Doutrina da Situação Irregular, onde visualizamos a discriminação definitiva da pobreza e da “coisificação” do adolescente infrator.
“Sobre o aspecto infracional, o Código de Menores de 1979 dispunha de situação que outorgava aos juízes um poder quase que absoluto, inadmissível nos dias atuais, em que o menor se submetia a um processo quase inquisitorial em que a verdade material se sobrepunha aos direitos da pessoa humana, colocando o jovem como mero objeto da análise investigatória, não obrigando aquela lei a participação do advogado.” (GOUVÊA, 2009) [4]
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